quinta-feira, 17 de abril de 2008

Na tomada

O fim de semana enfim tinha chegado. Sem mais genética, funções matemáticas ou leituras obrigatórias, aqueles dois dias de glória e graça, em que a gente gruda na tomada e recarrega para os próximos dias "úteis". O convite para aquela festa já vinha de tempos atrás, mas até agora eu estava um tanto quanto ressabiado. Sim, pois uma festa hippie em território desconhecido pode acabar em alegria ou desastre. Mas não é assim em todas as festas?

A festa seria no fim do mundo, porque é uma palavra feia. Nada que em algumas horas o trem não torne um lugar próximo. No pré-encontro em Dortmund já aconteceram coisas poucas casuais. Três protestos em um só dia não é normal. Tive que esconder meu casaco de pele, parte da roupa de hippie, dos protestantes a favor dos bichos, paramos para ver o que acontecia naquele protesto antiracismo e antixenofobia, mas não paramos para ver de perto o antiprotesto neo-nazista que acontecia no lado.

Ok, feito o que devia ser feito, o trem nos leva um longo caminho até uma cidade, o outro trem até uma vila, o ônibus até um povoado e os nossos pés até o lugar onde a festa acontecia, a mil quilômetros do mundo, mas no mesmo país que Andernach. Depois de deixar as coisas na casa onde pernoitaríamos, lá vai aquele cômico grupo de pessoas nascidas em 90 mas saídas dos 70.

Por essa eu não esperava: pagar cinco para entrar no salão de festas alugado. Sorte que eu tinha algumas moedas perdidas no bolso, aquelas que sempre estão ali para uma emergência como essa. Esse foi o ponto negativo da festa. O ponto positivo foi ir ao balcão, pedir uma cerveja, ouvir um "pega" e ver um dedo apontado para a torre de caixa de cervejas.

Aquela menina, já tinha visto ela em algum lugar, mas onde? Sempre fui ótimo em lembrar rosto, caras, as feições mais peculiares e as características mais vulgares, mas os nomes sempre foram um desafio para mim. Na verdade foi ela quem me viu passar e que me chamou, pelo nome. Nessas situações o melhor a se fazer é perguntar mesmo o nome. Mas como ela se chamava mesmo? Ela era uma das três aniversariantes. Sim, as aniversariantes eram três. Eu, que só esperava por uma, estava contente.

Meu tocaio e eu nos sentamos na roda de sofás e ficamos degustado os comes e bebes, mais uns do que outros. A festa continuou como uma festa. A caixa de som tocava às vezes as músicas da banda da minha camisa, e tudo ia numa boa. Não sei mais ao certo porque motivo acabei com a "segunda aniversariante" no banheiro, no campo de football, na plantação e por fim de volta à festa. O lugar estava mais cheio, e uma outra menina grudou em mim e começou com aquela ladainha "isso é pele de animal?". Por mais que eu dissesse que se tratava de produto artificial ela não desistia. Foi só quando cheguei em casa que descobri que ela estava certa, mas isso já são outros quinhentos, e também não precisava me atazanar tanto!

E a festa continuou continuando como uma festa. Quando o sol começava a penetrar nas janelas do salão ainda éramos uma dúzia de humanos cheios de memórias, cheios de esperanças, cheios de humilhações e triunfos mergulhados em líquidos alucinógenos.

Já era hora de recolher aqueles cacos de vidro daquela única garrafa espatifada solitariamente. O sol nascia tão lindo, fomos ver as redondezas. Nada, depois do campo de football, uma ou duas casas, uma ruazinha e um mar de plantações, cortados pela estrada de ferro. Vendo aquilo eu precisava. Era mais forte que eu. Não conseguia controlar minhas reações. Era mais forte que eu. O sonho de criança precisava ser realizado. Era mais forte do que eu. Lá fomos nós, a segunda aniversariante se equilibrando em um os trilhos, eu saltando cada uma das barras da estrada de ferro, e o sol continuava desafiando o morro que tapava a antena de rádio. O trem não veio.

Na mesma casa dormiam cerca de uma dúzia de pessoas. Algumas no tapete, outras em colchões, três ou quatro na cama. Depois de dormir três horas, conversar na cama, levar um susto ao ela quebrar sob o peso de seis ou sete pessoas, tocar piano, violão, xilofone e tomar o café da manha, alguém anunciou, palavras doloridas:
- Pois é, agora temos que arrumar o salão...
Olhando a chuva lá fora, o estado acabado dos participantes da loucura, as cordas do violão, a nossa reação foi rir, de medo. Mas era verdade. Por fim não foi tão ruim, ainda que tendo que enfrentar a chuva. Parte da arrumação era ajudar a acabar com os cachorros-quentes e as cervejas sobrantes, ou restantes, trabalho que coube ao meu tocaio e eu, por vontade própria. Cada um ajuda como pode.

Em fim era chegada a hora de se despedir. A chuva havia ido embora e o sol brilhava mais uma vez. Sentados à beira da estrada de ferro do sonho, nos despedimos. Pegando o ônibus percebemos que estávamos mortos. Aquele pequeno grupo, ainda com rastros hippies, nascidos em 90 mas saídos dos 70, voltava para casa, depois de um fim de semana grudado na tomada.

2 comentários:

Anônimo disse...

é assim, on the road, e segue a vida

Eduardo disse...

um dia tiro uma foto igual.